O grande desafio da vida a dois: não se deixar
decifrar totalmente pelo outro. A escritora Leticia Wierzchowski discute o
equilíbrio entre partilhar e se resguardar.
por
Leticia Wierzchowski em 26.04.2011
Viver uma vida a dois é como brincar de amarelinha. O céu e o inferno moram
perto, e você tem que tomar muito cuidado para não estacionar o pezinho na casa
errada e voltar ao começo do jogo. Afinal de contas, como é que se faz para
manter o mistério quando a gente dorme e acorda na mesma cama, quando o namoro
vem tão firme que, na casa dos seus pais, ele tem lugar certo à mesa e
participa do amigo-secreto natalino? O "até que a morte nos separe"
não é exatamente um caminho sem sustos e desgostos. Somos e seremos um pro
outro esta matéria impenetrável, constante motivo de assombro, de dor e de
alegria.
Uma união estável requer uma boa cota de intimidade, mas é preciso ler a
bula antes.Intimidade demais, aquela intimidade invasiva e triste, nossa!, tem
uma lista de contra-indicações para amores de todas as faixas etárias. Aquele
cara ao seu lado viu você viver uma série de situações lindas e um punhado de
problemões, viu você vestida de noiva e urrando de dor na hora do parto. Viu
tantas vocês que pode, de olhos fechados, resumi-la, descrevê-la, adivinhar a
cor do seu esmalte ou o seu medo mais recôndito. Isso é uma alegria e um
tremendo problema. Queremos sempre alguém que tenha algo de novo, que nos
surpreenda e que se surpreenda conosco. Daí que o tempo é uma montanha - pode
impedir que a gente siga em frente, por ser alta demais, íngreme demais,
pedregosa demais, ou pode nos levar até o céu, desdobrando lugares aos nossos
olhos pasmos e enlevados de vertigem. O sucesso da jornada vem de saber seguir
por esse caminho sem pisar no pé do outro. Desistir da montanha pode provar
duas coisas: ou não valia a pena e o melhor mesmo é ficar à sua sombra,
esperando companhia melhor para a jornada, ou a caminhada rumo ao seu cume não
foi bem planejada. Afinal, tudo que é feito a dois requer uns planinhos e
coordenadas, acordos tácitos que se renovam no decorrer da subida.
Escalamos a dois a nossa montanha todos os dias. É um trabalhinho lindo e
complicado. Dividir casa, comida e roupa lavada. Dividir amor, décimo terceiro,
sonhos, garagem e banheiro. Dividir as gavetas daquele closet pequeno demais.
Dividir os medos. E as vontades. Você vai primeiro que eu vou depois. Dividir
os silêncios. Guardar pequenos segredos. E pensamentos. Ai, como é importante
ter seu pequeno manancial de coisas pessoais. Ai, como é importante aceitar o
mistério alheio e seus reveses. Como o Pequeno Príncipe, sempre pode nascer um
baobá no nosso planeta e acabar com tudo. A nossa rosa pode morrer de sede e
quem sabe, tolos, nem notaremos. Como o planeta é nosso, como a rosa foi
plantada a dois, ai, meu Deus, é preciso falar sobre os dois exaustivamente. É
preciso prevê-los, reformá-los, colori-los e organizá-los duas vezes por
semana. Aí você se pergunta: mas como é que vai haver mistério neste outro que
vive ao toque da minha mão? Como vai haver encanto em cuidar desta mesma rosa,
em habitar este planetinha para sempre, esta montanha, esta casa, este contrato
de casamento?
Fonte http://claudia.abril.com.br/materia/intimidade-no-relacionamento-ate-onde-ir-sem-perder-o-encanto-1748/?p=/amor-e-sexo/relacionamentos
Comentários
O causo é que decifrar o nosso amor não é devorá-lo. Temos, isto sim, que
nos moldarmos uns aos outros, e não nos imiscuirmos a ponto de não sabermos
mais com que pernas, no caso de um contratempo, devemos partir. Cada um com as
suas angústias e pernas e segredos. Como um chef que guarda a sua receita num
cofre, guarde também um pouco de si. Não há nada de egoísmo nisso. Guardar é
preservar, e quem preserva tem por muito tempo. Tenha para dar ao seu namorado,
marido ou amante. Tenha para os anos. Tenha para, quando chegar ao cume da
montanha, servir num piquenique com vinho e toalha xadrez. Viver juntos não é
viver grudados. Não há poesia que resista ao outro usando fio dental na nossa
frente. Essa máquina que é o corpo humano guarda lá suas pequenas
miseriazinhas, e é para isso que existem as portas e as chaves. A mente humana
também merece os mesmos segredos. Amar não é dizer tudo, tudinho. Amar, creio
eu, é viver neste jogo de erros e acertos, colocando cartas na mesa e
escondendo outras. Amar é a dança dos sete véus.
Com o tempo, caem os mistérios. Com mais tempo ainda, caem outras coisas.
Não adianta. Tive uma tia cujo esposo, com quem ela esteve casada durante 40
anos e cinco filhos, nunca a viu sem maquiagem. Diariamente, ela acordava 15
minutos antes do seu varão e se embelezava toda. O contrário era o mesmo. Tirar
o blush e a base? Só depois que o marido estivesse ferrado no sono. Além de ser
uma trabalheira (imaginem esses 15 minutos matinais vezes 40 anos!), essa
azáfama não faz bem à pele. Lá pelo 20o ano, creio que minha tia estava
exausta, mas com a pele certamente tão amassada que não lhe restava escolha a
não ser seguir com seu minúsculo teatro. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. É
preciso saber acertar a pedra na casa certa desse jogo de amarelinha. Esconder
um pouquinho e, mais ainda, é preciso não dizer tudo o que se sabe do outro.
Ninguém quer ser explicado, a gente quer é ser entendida, a gente quer é comer
e fazer amor pra aliviar a dor.
Não precisa viver empetecada 24 horas por dia ao lado do seu esposinho ou
affair, mas também tem muita mulher que, depois do segundo ano de casamento, só
usa roupa nova em compromisso social. É muito bom dormir de camiseta velha, mas
tenha lá uma lingerie bem sensual pra usar naquelas noites quentes (ou naquelas
noites frias sob o cobertor). Um punhado de "outros" não pode valer
mais do que este que vai ao seu lado, é pra ele que tem que ir o bacon. Outra
pimenta fundamental é reinventar-se. A montanha que somos nós todos tem um
quadrante inteiro de paisagens. Use sua melhor roupa, use o seu melhor sorriso,
use aquela jóia. Descubra-se. Mulher é desdobrável, acho que foi a Adélia Prado
quem disse isso. Mantendo o mote, mas trocando de poeta, talvez a frase
"amar não é olharem os dois um para o outro, mas ambos para o mesmo
lado" resuma tudo. Seguir com alguém não é viver esse alguém, e sim
descobri-lo, inventá-lo, saboreá-lo por uma jornada inteira, que pode ser de um
ano ou 50. Não há tempo para um verdadeiro amor, mas há sim um talento para
cuidar desse amor com o passar do tempo.
Vocês dividem o mesmo teto há dez anos e de repente ele resolveu mudar de
profissão. Vocês sempre se telefonaram 25 vezes por dia e então o telefone
ficou mudo exatamente naquela sexta-feira em que ele foi tratar de negócios na
Bahia. É difícil, né? Mas, cá entre nós, vai dizer que esse medinho, essa
inesperada ansiedade, não traz consigo um arrepio? Vai dizer que não é bom
sentir saudade? Sentir saudade é um luxo. Então tá. Subindo e descendo
montanhas a gente vê céu azul e temporais. É bom andar de mãos dadas, mas
também vale seguir cada um o seu atalho. O importante é querer. Querer amar,
querer o reencontro, a descoberta. Querer a segunda lua-de-mel, e não somente
pra ficar falando dos filhos ou dos problemas com a empregada doméstica. Querer
o jantar de sexta-feira com roupa nova, com bellinis e beijos na boca. Porque a
vida a dois pode ser um eterno repetir-se de novidades. Com muito jeito e um
pouco de sorte, tira-se dos baobás a sua sombra e a sua poesia, e seguem os
planetas, inteiros, no seu curso inexplicável e maravilhoso.
A etiqueta a dois
Para você não perder o mistério, um tempero e tanto do relacionamento,
CLAUDIA preparou este minimanual, que pode ser útil nos mais diversos estágios
do amor.
• Ao acordar na casa dele depois da primeira noite juntos, nem pense em
abrir os armários da cozinha, ligar o forninho e tirar o leite da geladeira
para fazer o café da manhã para os dois. Se o moço ainda estiver dormindo, pode
considerar invasão de privacidade. Melhor esperar carta branca.
• O seu parceiro tem que sair cedo para o trabalho, mas você adoraria ficar
um pouquinho mais na cama... dele. Caso ainda não estejam namorando, respire
fundo e crie coragem para tomar o caminho da porta.
• Pendurar a calcinha no chuveiro logo na primeira viagem de fim de semana?
Jamais!
• É roubada forçar intimidade no início do relacionamento revelando coisas
muito pessoais - como o estado em que ficou depois de abusar da bebida. Você
vai sair ganhando, também, se evitar palavrão, por mais inocente que seja.
Nunca se sabe o que vai passar pela cabeça do seu acompanhante...
• Numa roda de amigos, quando o seu namorado ou marido estiver contando um
caso, cuidado para não ficar corrigindo-o. Evite frases do tipo: "Não foi
bem assim..."
• Vocês estão entre amigos e ele fala alguma coisa que a deixa irritada.
Conte até dez, vá ao toalete... Nunca brigue na frente dos outros. Em casa, com
a cabeça mais fria, acabarão se entendendo.
• Pra que cortar as unhas, passar fio dental, espremer espinhas, usar
máscaras no rosto ou depilar-se na frente de seu marido ou namorado?
• Cai muito mal comentar o que sua amiga faz na cama com o namorado ou ficar
tagarelando por aí sobre sua intimidade sexual. Imagine se ele fica sabendo.
• A transa foi muito boa. Não se sinta obrigada a dizer algo para manifestar
sua satisfação. Um sorriso e leves carícias podem ser muito mais elegantes do
que palavras pouco originais. Agora, se o sujeito não correspondeu às suas
expectativas, boca fechada.
• Seu passado amoroso deve ser guardado no baú.
• Poucas coisas irritam mais um homem do que mulher dando palpite quando ele
está ao volante. Portanto, no carro, contenha-se, mesmo que conheça um caminho
mais livre e dirija melhor que ele.
• Tudo bem se você não é a mais sorridente das criaturas ao levantar-se, mas
poupe-o de qualquer tipo de mau humor matinal.
• Roupas espalhadas, louça suja, jornais jogados: não há nada mais
antimistério que isso. Casa arrumada, mesa bem-posta, flores fazem toda a
diferença.