Os
últimos dias do presidente revelam o isolamento político e as ameaças que ele e
sua família vinham sofrendo e que o levaram ao beco sem saída no qual acabou
morto, com um tiro no peito
Lira Neto | 01/08/2004 00h00
Pelo telefone, claramente emocionado,
o ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, leu para a Rádio Nacional a
carta-testamento encontrada na mesinha de cabeceira do presidente morto: “Eu
vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada temo. Serenamente dou o
primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na
história”. O relógio indicava que faltavam 15 minutos para as 9 da manhã
daquele 24 de agosto de 1954. Nunca o país assistira a tamanha comoção popular
como a que veio logo após a divulgação da notícia: Getúlio Vargas se matara, em
seu quarto, por volta de 8h30, com um tiro no peito.
Multidões saíram às ruas.
Enfurecidos, manifestantes depredaram a sede da Tribuna da Imprensa, o jornal
de Carlos Lacerda, mais furibundo dos adversários de Getúlio. Uma massa humana
de 100 mil pessoas, a maioria em pranto incontrolável, desfilou diante do
caixão do presidente, velado no próprio Palácio do Catete, sede do governo
federal, no Rio. A imprensa noticiou que cerca de 3 mil pessoas presentes ao
velório, vítimas de desmaios, mal-estares, crises nervosas e problemas de
coração, precisaram ser atendidas pelo serviço médico do palácio. Na
enfermaria, o estoque de calmantes esgotou-se em minutos. O país inteiro quedou
em estado de choque. Ninguém esperava por aquele desfecho para a crise que se
abatera como uma nuvem negra sobre o governo, apesar de o próprio Getúlio ter
dito, dias antes, com todas as letras: “Só morto sairei do Catete”.
A pergunta que se fez à época, e que
até hoje ecoa, exatos 50 anos depois, é uma só: afinal, por qual motivo Getúlio
se matou? O que levou o presidente a puxar o gatilho de seu revólver, após
apontá-lo contra o próprio coração? Que sentimentos insondáveis povoavam o
homem Getúlio Vargas no instante daquele gesto que mudaria a história do
Brasil? Como sempre ocorre, boa parte das possíveis respostas e certezas morreu
junto com o próprio suicida. Mas, reconstituindo os fatos daquele aziago mês de
agosto – mês de desgosto, no imaginário popular brasileiro –, é possível esclarecer
os últimos momentos de Getúlio. Entre as tantas hipóteses, conjecturas e
análises divergentes, uma coisa pelo menos é certa: o governo Vargas começou a
morrer 20 dias antes, alvejado por outro tiro, este ironicamente disparado
contra seu arquiinimigo Carlos Lacerda. Entre os dois tiros, um que atingiu o
pé esquerdo de Lacerda, o outro que se alojou no peito de Getúlio, estão as
respostas para a pergunta que não quer calar.
Na madrugada de 5 de agosto, pouco
depois da meia-noite, Carlos Lacerda havia sido vítima de um atentado diante do
portão do prédio onde morava, na rua Toneleros, em Copacabana. Dois disparos
atingiram seu acompanhante, o major da Aeronáutica Rubens Vaz, que não resistiu
aos ferimentos. Foi impossível não ligar o atentado da Toneleros às críticas
virulentas disparadas diariamente por Lacerda contra o governo pelas páginas da
Tribuna da Imprensa. Com a linguagem destemperada de sempre, Lacerda chegara a
chamar o presidente de “monstro”, o deputado Lutero Vargas de “filho rico e degenerado
do Pai dos Pobres” e Oswaldo Aranha de “mentiroso e ladrão”.
Carlos Lacerda escapou, por pouco, do
atentado. Naquele mesmo dia exibiu, em seu jornal, as fotos de um ferimento a
bala em seu pé esquerdo – ferimento cuja veracidade seria contestada depois. O
prontuário do Hospital Miguel Couto, onde fora atendido, sumiria
misteriosamente. Mas o estrago, àquela altura, já estava feito. “Acuso um só
homem como responsável por esse crime. É o protetor dos ladrões, cuja
impunidade lhes dá a audácia para atos como o desta noite. Esse homem é Getúlio
Vargas”, escreveu Lacerda. A oposição tinha agora um cadáver, o do major Vaz, e
seu principal representante, antes já suficientemente feroz, passara a agir a
partir de então como um animal ferido.
“Esses tiros me ferem pelas costas”,
reconheceu Getúlio. As principais suspeitas recaíram sobre Gregório Fortunato,
chefe da guarda pessoal do presidente. Na manhã do dia 5, Getúlio chamou
Gregório e indagou-lhe se tinha participação no episódio. Ele negou. À tarde,
no Congresso, o líder da maioria, Gustavo Capanema, leu uma declaração assinada
por Vargas: “Até agora considerava Lacerda meu principal inimigo. Mas agora o
considero meu inimigo número 2; o número 1, aquele que causou o maior prejuízo
ao meu governo, foi o homem que atentou contra sua vida”.
Contudo, os indícios e as
investigações da trama logo apontaram para os corredores do Palácio do Catete.
O fio do novelo começou a despontar logo no primeiro dia, quando um motorista
de táxi que trabalhava próximo ao palácio apresentou-se voluntariamente à
polícia e afirmou que levara, na noite anterior, um membro da guarda
presidencial, Climério de Almeida, ao local do crime. Manifestações de protesto
civis e militares pipocavam na capital federal, deixando o governo cada vez
mais acuado. Cerca de 5 mil pessoas compareceram ao enterro de Vaz, enquanto
Climério, em vez de prestar esclarecimentos, tratou de desaparecer do mapa.
No dia 8, com as acusações desabando
sobre sua mesa de trabalho, Getúlio resolveu dissolver a guarda pessoal e
franquear as dependências do Catete para as investigações. Tal atitude não
satisfez a ira dos adversários. No Congresso, deputados da conservadora UDN
(União Democrática Nacional), agrupados na chamada “Banda de Música” – assim
conhecida pelo barulho que provocava em plenário com seus discursos inflamados
e orquestrados –, passaram a exigir a renúncia de Vargas. Da Aeronáutica, a
crise logo se alastraria para as demais corporações armadas. Durante todo o seu
governo, Getúlio enfrentara a oposição dos militares, especialmente após ter
nomeado, no ano anterior, João Goulart, o Jango, no cargo de ministro do
Trabalho. Jango, considerado pelos quartéis um notório esquerdista, propôs um
aumento de 100% no salário mínimo e acabou derrubado do cargo, por pressão dos
militares.
A saída de Goulart do governo não
afastara a desconfiança dos quartéis ou das forças políticas e econômicas mais
conservadoras, que diagnosticavam no nacionalismo de Vargas uma perigosa
“guinada à esquerda”. Assim, naqueles dias tormentosos de agosto, as forças
civis e militares insatisfeitas com os rumos do governo vislumbraram a ocasião
propícia para afastar, de uma vez por todas, Getúlio do poder. Fazendo coro à
“Banda de Música” udenista, membros do Alto Comando das Forças Armadas
decidiram bombardear a resistência do presidente. No dia 12, data da missa de
sétimo dia do major Vaz na Candelária, foi instaurado na Base Aérea do Galeão
um inquérito policial-militar, um IPM, sob o comando do coronel Adil de
Oliveira. Apelidado de “República do Galeão”, o IPM deteve suspeitos, convocou
testemunhas e, em poucos dias, selaria o destino do presidente.
Enquanto o IPM era instalado e o
comércio do centro do Rio fechava as portas para celebrar o luto pelo major
Vaz, Getúlio decidiu viajar para Minas Gerais, onde foi recebido com pompa e
circunstância pelo governador Juscelino Kubitschek. Na inauguração de uma
siderúrgica em território mineiro, faria seu último e contundente discurso:
“Advirto aos eternos fomentadores da provocação e da desordem que saberei
resistir”, disse o presidente ao microfone, emocionado, ao lado de um sempre
sorridente JK. No dia seguinte, de volta ao Rio, encontrou o cenário ainda mais
turbulento. Um pistoleiro, Alcino do Nascimento, havia sido preso e confessara
ter atirado contra Lacerda por encomenda de Climério, ainda foragido. Mas o
pior ainda estava por vir: pelo depoimento de Alcino, as suspeitas da autoria
intelectual do atentado recaíam agora sobre Lutero Vargas, ninguém menos do que
o filho do presidente.
Lutero, por recomendação expressa de
Getúlio, apresentou-se espontaneamente ao IPM e renunciou à sua imunidade
parlamentar, pondo-se à disposição das investigações. “Estou sendo vítima de
uma torpe difamação”, diria ele ao país, por meio de uma rede oficial de
emissoras de rádio. Mas, nos dias seguintes, uma sucessão de acontecimentos
abalaria ainda mais as estruturas do Catete. Em 16 de agosto, com a tropa fora
de controle, o ministro da Aeronáutica Nero Moura pediu demissão. No dia 18,
Climério foi preso e confessou ter recebido ordens de Gregório Fortunato, cuja
prisão já havia sido determinada pelo IPM no dia 15.
Há quem afirme que Fortunato, após
sustentar outras versões, acabou assumindo a culpa pelo atentado contra Lacerda
para proteger aquele que seria o verdadeiro culpado do crime, Benjamin Vargas,
o “Bejo”, irmão caçula de Getúlio. O jornalista José Louzeiro, por exemplo, foi
um que defendeu a hipótese em seu livro O Anjo da Fidelidade: A História
Sincera de Gregório Fortunato. Segundo seu biógrafo John W.F. Dulles, Lacerda
também tinha a firme convicção de que Bejo seria o mandante do crime. Seja como
for, outras revelações do IPM, levadas a público no dia 18 de agosto,
apontariam novas e suspeitas ligações de Fortunato com familiares do
presidente. De acordo com documentos apreendidos no porão do Catete, no arquivo
pessoal de Fortunato, o filho mais novo de Getúlio, Manoel Antônio Vargas, o
Maneco, vendera ao Anjo Negro uma fazenda por 3 milhões de cruzeiros – quando o
salário de Fortunato não passava de 15 mil cruzeiros mensais. Era a gota
d’água. “Estou mergulhado em um mar de lama”, foi a frase atribuída a Getúlio
naqueles dias de tensão sem trégua.
A revelação alquebrou as forças do
presidente. Segundo o jornalista Glauco Carneiro conta em seu livro Lusardo, o
Último Caudilho, Oswaldo Aranha encontrou Getúlio debruçado numa janela do
Catete, de óculos escuros, procurando esconder os olhos vermelhos. “Reaja, você
é um homem forte”, Aranha ainda tentou animá-lo. Mas o cerco se fechara. No dia
21, o presidente recebeu no palácio o seu vice, Café Filho, que dez dias antes
havia se reunido secretamente com Carlos Lacerda e aderido à conspiração. Café
propôs a Getúlio o que havia combinado anteriormente com Lacerda: a tese da
renúncia conjunta do presidente e do vice. Getúlio, porém, desconversou. No
entanto, seus dias de governo – e de vida – já estavam contados.
Em 22 de agosto, um grupo de
brigadeiros divulgou um manifesto que exigia a renúncia imediata do presidente.
Os almirantes se disseram solidários aos colegas da Aeronáutica e também
pediram a cabeça de Getúlio. A posição do Exército viria logo depois, no dia
23. Um documento assinado por 27 generais circulou pelos quartéis e passou a
ser entendido como uma espécie de ultimato: “Os abaixo-assinados (...) declaram
julgar como melhor caminho para tranqüilizar o povo e manter unidas as Forças
Armadas a renúncia do atual presidente da República”.
A notícia do Manifesto dos Generais,
junto com a informação de que se tornara praticamente impossível controlar a
agitação na caserna, chegou a Getúlio por volta de 0h daquele trágico 24 de
agosto. A informação seria levada ao Catete pelo ministro da Guerra, general
Zenóbio da Costa, e pelos também generais Mascarenhas de Morais e Odylio Denys.
Exausto, Getúlio disse-lhes que convocaria uma reunião ministerial no dia
seguinte para discutir a gravidade da situação. Mas o general Mascarenhas,
apreensivo, aconselhou ao presidente que, mesmo levando-se em conta o adiantado
da hora, era melhor que todos os ministros fossem tirados da cama e convocados
imediatamente ao palácio. Getúlio compreendeu a urgência do caso, acatou a
sugestão e ordenou que os assessores se concentrassem na tarefa de acordar o
ministério com telefonemas disparados no meio da madrugada.
A tal reunião se arrastou, lenta, até
depois das 4 da manhã, sem chegar a nenhuma conclusão. Alguns ministros
sugeriram a resistência, apoiados pela palavra firme da filha do presidente,
Alzira Vargas, que mesmo não sendo convidada invadira o salão ministerial e fizera
questão de participar da reunião. Outros, a exemplo de José Américo de Almeida,
ministro das Viações e Obras Públicas, afirmaram que a melhor saída, para
evitar derramamento de sangue, seria mesmo resignar-se e submeter-se à
renúncia. Impaciente, Getúlio abriu a agenda pessoal e rabiscou a seguinte
nota: “Já que o ministério não chegou a uma conclusão, eu vou decidir.
Determino que os ministros militares mantenham a ordem pública. Se a ordem for
mantida, entrarei com um pedido de licença. Em caso contrário, os revoltosos
encontrarão aqui o meu cadáver”. Aquela última frase da anotação, logo se
saberia, não significava um esforço retórico, uma mera frase de efeito. Dias
antes, em 13 de agosto, Alzira Vargas já encontrara um rascunho, escrito a
lápis pelo pai, no mesmo tom: “Deixo à sanha dos meus inimigos o legado da
minha morte”. No dia 23, véspera da reunião ministerial, o jornal getulista
Última Hora, de Samuel Wainer, publicara uma manchete que também se anunciaria
profética: “Getúlio ao povo: Só morto sairei do Catete”.
Após a reunião, sozinho em seu
quarto, Getúlio não conseguiu pregar o olho. Foi procurado pelos familiares
pelo menos três vezes entre o final da madrugada e o começo da manhã. Primeiro,
Alzira levaria a ele a nota oficial redigida pelo ministro da Justiça, Tancredo
Neves, anunciando a decisão presidencial de licenciar-se do cargo até que todas
as acusações fossem devidamente apuradas. Getúlio não quis ler a mensagem e
pediu para que o deixassem sozinho. Poucos minutos mais tarde, em duas
ocasiões, o irmão Benjamin foi também até o quarto, agora para dar-lhe duas más
notícias: o IPM estava convocando Bejo para depor imediatamente e os militares
não haviam aceitado a idéia de uma simples licença. Os quartéis insistiam no
afastamento definitivo do presidente.
Às 8h30 da manhã, ouviu-se um tiro.
Os familiares encontraram Getúlio agonizante, o corpo sobre a cama, o buraco da
bala pouco acima do monograma “GV” gravado no bolso do pijama, por onde o
sangue corria aos borbotões. “Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na
vossa consciência e manterá a vibração sagrada da resistência”, diria certo
trecho da carta-testamento. Há quem diga que o texto não era de Getúlio e sim
do jornalista José Soares Maciel Filho, que o escrevera sob encomenda. Porém,
nesta história cheia de controvérsias, pontos obscuros e detalhes nunca
esclarecidos, a autoria da carta é o que menos importa.
O fato é que, se houvesse sucumbido à
renúncia, tendo em vista a sanha de seus adversários e as graves acusações que
recaíam contra si e seus familiares, Getúlio teria sido alvo de um linchamento
moral sem precedentes. “Getúlio tinha uma profunda consciência de seu
significado como personagem histórico. Seu último e trágico gesto precisa ser
compreendido dentro dessa dimensão”, afirma o historiador Jaime Pinsky,
professor da Unicamp. Quer dizer: o suicídio foi um ato político. “Ele preferiu
protagonizar um teatro de tragédia a submeter-se à humilhação e ao teatro
patético que os adversários encenariam com sua renúncia”, diz.
Segundo o historiador Marco Antônio
Villa, autor de Jango, um Perfil, e que atualmente trabalha na biografia
política de Vargas, aos 72 anos ele apresentava um certo cansaço e uma
indisfarçável solidão. “Durante todo aquele mês de agosto, ele se sentiu abandonado
pelos antigos aliados. Com toda a sua história de vida, ele não se submeteria
mais à renúncia ou à derrota final do exílio”, diz. Para o presidente, a única
forma de impedir a humilhação de uma devassa em sua vida era o suicídio.
Outro ponto pendente é que, vivo,
Getúlio, ou pelo menos sua família, teria de enfrentar a Justiça. “A chamada
‘República do Galeão’ prosseguiria fustigando-o, num processo que talvez
culminasse com sua prisão ou a prisão de gente muito próxima a ele”, diz Marco
Antônio. De fato, menos de um mês depois da morte do presidente, o IPM que
investigava o atentado a Lacerda foi encerrado e o irmão de Getúlio, Benjamim,
e o filho, Lutero, inocentados. O único culpado foi Gregório Fortunato.
Com o suicídio e a comoção nacional
que se seguiu, Getúlio transformou seu nome em mito. “Não foi uma decisão
fácil, mas a percepção que Getúlio tinha de si mesmo, de seu papel histórico,
transcendia sua própria existência terrena, de carne e osso”, diz Jaime Pinsky.
Assim, os que conspiraram contra ele tiveram que esperar dez anos para, só
então, concretizar seus planos. Antes disso, apesar de algumas tentativas, não
houve clima político nem apoio popular para tal. Só exatamente uma década
depois a “Banda de Música” udenista e os mesmos militares que assinaram o
Manifesto dos Generais conseguiriam chegar ao poder, após derrubarem o herdeiro
direto do getulismo, João Goulart. Afinal, o golpe de Estado que o país
assistiria em 1964 foi, em edição revista e atualizada, o mesmo que Getúlio
adiou, em 1954, ao apontar contra o próprio peito o cano frio do Colt calibre
32 com cabo de madrepérola.
Agosto
de 1954
Os
20 dias que mudaram o Brasil
Dia
5
Atentado da rua Toneleros: o
majoraviador Rubens Vaz é morto o Carlos tacerda é ferido no pé. Getúllo Vargas
convoca Gregório Fortunato. chefe de sua guarda pessoal, que nega qualquer
envolvimento no episódio
Dia
6
Getúlio diz em nota oficial que irá
apurar o crime e punir os culpados. Cinco mil pessoas comparecem ao enterro do
major Vez. Militares realizam manifestação de protesto contra o atentado
Dia
7
O motorista de táxi Nelson Raimundo
topes depõe na polícia e diz que o suposto autor do atentado, Climério Euribes
de Almeida, membro da guarda palaciana, utilizou seu carro para fugir do local
do crime
Dia
8
Getúlio é informado do envolvimento
de Climério, que teria recebido dinheiro de Fortunato por meio do secretário da
guarda. João Vicente de Souza. O presidente dissolve sua guarda pessoal. O
ministro Nero Moura informa a Getúlio que a Aeronáutica está sublevada
Dia
9
Deputados oposicionistas – entre eis
Afonso Aritios – faiOm violentos discursos na Câmara e exigem a renúncia de
Getúilo. Tancredo Neves, ministro da Justiça, divulga nota em que diz que o
presidente não deixará o governo
Dia
10
Numa reunião do Clube da Aeronáutica
a tese da renúncia ganha força. Membros do Alto Comando das Forças Armadas
dizem ao ministro da Guerra, Zenóblo da Costa, que recomende ao presidente para
se afastar por conta própria, antes que eles o obriguem a isso
Dia
11
Getúlio diz a Zeiuóbio que não
aceitará Gregório depõe na policia. A missa de sétimo dia pela morte de Vaz
coincide com novos protestos civis e militares mio Rio de Janeiro
Dia
12
Instaurado inquérito policial-militar
um IPM, para apurar o atentado. Getúlio vai a Minas Gerais para inauguração de
uma siderúrgica. Lá, é recebido com festa pelo governador Juscelino Kubitschek.
Ë seu último discurso e sua última aparição pública
Dia
13
O pistoleiro Alcino José do
Nascimento é preso. Há suspeitas de que agiu sob ordens Indiretas do filho de
Getúlio, Lutero Vargas. Este nega participação no crime, depõe voluntariamente
no 1PM e abre mio de sua imunidade parlamentar
Dia
14
Cerca de 1 500 oficiais se reúnem no
Clube Militar e exigem a renúncia de Getúlio. O secretário da guarda
presidencial, João Vicente, confessa que facilitara a fuga de Alcino e de
Climéri4 orientado por Fortunato
Dia
15
Pedida oficialmente a prisão de
Gregório Fortunato
Dia
16
Com a tropa fora de controle, o
ministro da Aeronáutica, Nero Moura, pede demissão
Dia
17
Climério é preso e com ele são
encontrados 35 mil cruzeiros, em cédulas da mesma série de notas encontradas
com Fortunato e Akino
Dia
18
Encontrados no arquivo de Fortunato
papéis que o ligam a negócios suspeitos com o filho de Getúlio, Manoel Antônio
Vargas. Carlos Lacerda escreve que o presidente está deposto moralmente, “pelo
sangue quiJez derramar”
Dia
19
O coronel João AdiI de Oliveira,
responsável pelo 1PM, diz não ter mais dúvidas de que o crime da Toneleros foi
planejado dentro do Catete. José Antônio Soares, que intermedlara a contratação
do pistoleiro~ também é preso
Dia
20
O Alto-Comando do Exército reúne-se e
divulqa nota sobre a gravidade da situação. Orientado por Lacerda, o
vice-presidente Café Filho leva aos chefes militares a hipótese da dupla
renúncia
Dia
21
Café Filho propõe ao próprio Getúlio
a renúncia de ambos. O presidente diz que vai pensar no assunto. Aeronáutica e
Marinha se declaram em estado de prontidão
Dia
22
Manifesto dos líderes da Aeronáutica
exige a renúncia de GetúiIo. Mascarenhas de Morais é enviado como mensageiro
dos militares a Getúllo, que o rechaça e diz que só morto sairia do governo
Dia
23
“SÓ MORTO SAIREI DO CATETE”
A frase vira manchete do Última Hora,
jornal getutista. Almirantes dizem que a Marinha apóia o manifesto dos
brigadeiros. Generais redigem também um manifesto, considerado um ultimato a
Getúlio
Dia
24 - As últimas horas do presidente
0h
Ministro da Guerra. general Zenóbio
da Costa, chega ao Palácio do Catete. Traz um ultimato assinado por 27
generais, exigindo a renúncia
0h30
Da sala de despachos. Getúlio manda
chamar os mintstros. Pega em uma gaveta uma folha datilografada, assina-a e a guarda
no bolso. Os demais nem sabiam, mas era a carta-testamento. O presidente sobe
para o quarto
1h
Ao redor do Catete. barricadas e
soldadoS armados a postos para evitar uma invasão. Getúlio, fumando seu
indefectível charuto, desce à Sala de despachos. pega a Caneta-tinteiro que
estava sobre sua mesa de traba1ho e a entrega ao ministro da Justiça Tancredo
Neves, pedindo que ele a guarde como lembrança daqueles dias
3h
Getúlio reúne o ministério. (Dos 12
ministros, um, Vicente Rao das Relações Exteriores - não compareceu além deles,
estavam presentes a filha do presidente. Alzira, a esposa Darcy e os filhos
Lutero e Manoel Antônio. Lá fora, aviões da aeronáutica davam rasantes sobre o
Catete
4h
Os ministros não chegam a um
consenso. Getúlio anota em sua agenda: "Já que o ministério não chegou a
uma conclusão, eu vou decidir: (...) entrarei com um pedido de licença".
4h20
Zenóbio sai apressado, para anunciar
a decisão de Getúlio aos demais chefes militares. O presidente sobe para o
quarto dizendo que vai tentar dormir um pouco. O ministério continua reunido e
Tancredo escreve uma nota a ser divulgada à população
4h45
O ministro Oswaldo Aranha, Alzira e o
próprio Tancredo sobem para submeter a nota a Getúlio. O presidente, de pijama
de mangas compridas, recebe-os na ante-sala de seu quarto. O país é comunicado,
pelo rádio, da decisão presidencial
6h
Dois oficiais chegam ao Catete, com
uma intimação para Benjamin Vargas, irmão de Getúlio. Ele é acusado de ser o
autor intelectual do atentado a Lacerda e se recusa a deixar o palácio. Ele
sobe ao quarto do irmão, acorda-o e comunica o ocorrido
7h
O telefone toca. É o general Armando
de Morais Âncora, que diz a Benjamin que o pedido de licença não era o
bastante. Os militares, agora com apoio do próprio ministro Zenóbio da Costa,
exigem o afastamento imediato e definitivo de Getúlio
7h30
Benjamin vai ao quarto de Getúlio e
lhe comunica a reação dos militares. Getúlio diz que a situação é grave e pede
ao irmão que desça ao andar de baixo e traga novas informações a respeito
8h05
Contra seu costume, o presidente sai
do quarto de pijama e desce até seu gabinete de trabalho. Um dos assistentes
nota que Getúlio volta para o quarto carregando algo volumoso no bolso do
pijama: é uma arma – um revólver Colt calibre 32
8h15
Como fazia todas as manhãs, o
barbeiro Barbosa entra no quarto de Getúlio. O presidente o dispensa. Diz que
quer ficar sozinho para tentar dormir. O filho Lutero descansa em um sofá, na
ante-sala do quarto do pai
8h30
O presidente senta na cama, põe o
revólver à altura do peito e puxa o gatilho. O tiro acorda Lutero, que é o
primeiro a entrar no quarto. Em seguida chegam dona Darcy, o médico Flávio
Miguez de Mello e Alzira. Getúlio está com meio corpo para fora da cama,
agonizante.
8h35
A arma ficou sobre a cama e, na mesinha
de cabeceira, a carta-testamento. Ele morreria ainda deitado, em minutos
As
muitas faces de Getúlio
Os fotógrafos tinham ordens de
retratá-lo sempre de baixo para cima, para disfarçar a sua estatura. A despelto
de seu 1,60 metro, do rosto rechonchudo e da proeminente barriga, Getúlio era
um homem vaidoso, que soube como poucos cultivar sua imagem. Em viagens, sempre
levava uma maleta com cremes, saboneteira, loção de barba e meias de seda. Fez
do inseparável charuto uma de suas marcas registradas e protagonizou com a
vedete Virginia Lane, à época "a dona das mais belas pernas do
Brasil", um tórrido romance.
Mas sua paixão era a política. Foi o
presidente brasileiro que mais ficou no cargo: mais de 18 anos. Nesse tempo,
encarnou vários Getúlios. Gaúcho de São Borja, nascido em 1882, ex-deputado e
governador do Rio Grande do Sul, fez sua primeira aparição na vida política
nacional em 1930, como líder revolucionário: após ser derrotado nas urnas pelo
paulista Júlio Prestes, chegou à presidência com a derrubada de Washington
Luís. Em 1937, instaurou o Estado Novo e passou a governar o país com
mão-de-ferro. Surgia a figura do Getúlio ditador, cuja imagem de "Pai dos
Pobres"sería construída pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP,
incumbido de censurar os opositores e forjar oculto à personalidade do presidente.
Sua política trabalhista, que culminou com a assinatura da Consolidação das
Leis do Trabalho, a CLT, ajudou a eternizar o conceito de político populista,
carismático, de grande apelo junto às massas. Quando explodiu a Segunda Guerra
Mundial, Getúlio flertou com o fascismo, com o qual seu governo se afinava
ideologicamente, mas por razões econômicas apoiou os aliados. Em 1945. com o
fim da guerra, tornou-se impossível sustentar a contradição de, por um lado,
ter mandado soldados para lutar contra os nazi-fascistas e, de outro, manter
uma ditadura. Pressionado pela opinião pública, Getúlio renunciou e seguiu para
o auto-exílio em São Borja. Voltaria em 1951, embalado pela marchinha, sucesso
absoluto do Carnaval daquele ano: "Bota o retrato do velho outra vez/ bota
no mesmo lugar/ o retrato do velhinho faz a gente trabalhar". Após tentar
uma insustentável conciliação de forças políticas antagônicas, fez a opção por
um governo nacionalista, no qual se destacariam a criação da Petrobrás e a
bandeira do monopólio nacional do petróleo. Os novos rumos de Getúlio logo
incomodariam militares, conservadores da UDN e o grande capital. Passou a ser
retratado como o vilão que, atolado na corrupção, queria arrastar o país para
uma república sindicalista. Era essa a imagem pública que carregava nos ombros
em seus últimos dias. O tiro que deu no próprio peito, porém, o transformaria
em mártir e o redimiria aos olhos da nação terrificada.
Saiba
mais
Livros
O Segundo Governo Vargas: 1951-1954,
Maria Celina Soares de Araújo, Zahar Editora, 1982 - Para compreender a crise
de agosto de 1954
Brasil: de Getúlio a Castello, Thomas
Skidmore, Paz e Terra, 1996 - Síntese da história política brasileira entre os
governos de Getúlio Vargas e Castello Branco
A Era Vargas, José Augusto Ribeiro,
Casa Jorge Editorial, 2001 - Da chegada ao poder ao suicídio, em três volumes
O Anjo da Fidelidade: a História
Sincera de Gregório Fortunato, José Louzeiro, Francisco Alves, 2000 - Livro que
defende Gregório da acusação de ter encomendado a morte de Lacerda
Sites
www.cpdoc.fgv.br. - Portal do Centro
de Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio
Vargas. Permite pesquisa online no acervo
www.museudarepublica.org.br. - Conheça
a história do Palácio do Catete, cenário do suicídio de Getúlio