A igualdade, no direito penal, é um mito. As
pessoas, nessa área, não são tratadas de forma isonômica. A desigualdade vem do
tempo da sociedade aristocrática (1500-1888). Os iguais (ou considerados tais)
pelas elites governantes sempre tiveram privilégios (de pena menor, de serem
julgados pelos seus pares etc.), que perduraram mesmo durante a república (1889
até os dias atuais). Um dos grupos escandalosamente privilegiados é o dos
parlamentares, que desfrutam (ainda hoje) de várias imunidades e prerrogativas:
(1) inviolabilidade ou imunidade penal (ou material), (2) imunidade processual,
(2) imunidade prisional, (4) foro especial por prerrogativa de função, (5)
imunidade probatória e (6) prerrogativa testemunhal. Considerando-se que
estamos na iminência de saber os nomes de todos os parlamentares
comprovadamente envolvidos no escândalo da Petrobra$ (dizem que são de 40 a
100), é importe saber a extensão das suas imunidades, observando-se que elas
não impedem de forma alguma a cassação do mandato por falta de decoro (que é o
que deveria ocorrer prontamente – opine usando o “#cassação já”).
02. Imunidade penal e civil. Por força do art. 53, caput, da CF,
“Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de
suas opiniões, palavras e votos”. Essa imunidade alcança qualquer tipo de
manifestação do pensamento no exercício da função, in officio ou propter officium, dentro ou fora do Congresso. É a clássica freedom of speech que é protegida. Não há aqui nenhuma responsabilidade ou qualquer tipo
de indenização (nem penal, nem civil). Essa imunidade não abarca os crimes
cometidos pelo parlamentar fora do mandato ou das suas opiniões, palavras e
votos (corrupção ou ofensas eleitorais durante a campanha, por exemplo). Se a
crítica do parlamentar forpublicada em órgão da imprensa, do mesmo modo
o fato não gera nenhuma responsabilidade para o parlamentar (que goza da
liberdade de crítica, no exercício da função).
03. Imunidade processual. Está prevista no art.
Art. 53, §
3.º, da CF,
nestes termos: “Recebida a denúncia contra Senador ou Deputado, por crime
ocorrido após a diplomação (grifei), o Supremo Tribunal Federal dará ciência à
Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e
pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o
andamento da ação”. Crime ocorrido antes da diplomação não permite a suspensão
do processo. Sustada a ação penal, não corre a prescrição (até o final do
mandato respectivo). A suspensão do processo é ato deliberativointerna
corporis, unilateral e vinculativo. Nenhum outro Poder pode (formalmente)
tentar interferir nessa decisão. Aqui o Judiciário está subordinado à
deliberação do Legislativo, que é soberano nesse ato.
04. Imunidade prisional. Está prevista no art. 53, §
2.º, daCF: “Desde a expedição do diploma (grifei), os membros do
Congresso Nacional não poderão ser presos (grifei), salvo em flagrante de
crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e
quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros,
resolva sobre a prisão”. Muitas pessoas estão perguntando se os parlamentares
envolvidos na corrupção da Petrobra$ podem ser presos (como os executivos
foram). Resposta: enquanto não condenados definitivamente não, salvo em
flagrante de crime inafiançável. Na prática isso significa que o parlamentar
não pode sofrer nem prisão preventiva nem temporária. Aliás, nem tampouco cabe
prisão em flagrante, salvo em crime inafiançável (crimes mais sérios como
racismo, hediondos etc.). É a freedom from arrest. Quem delibera sobre a manutenção (ou não) da
prisão em flagrante por crime inafiançável é a Casa respectiva (pelo voto da
maioria de seus membros). Depois da condenação criminal imposta em sentença
transitada em julgado torna-se possível prender o parlamentar assim como
decretar a perda do mandato (CF,
art. 55, VI),
salvo se já cassado anteriormente pela própria Cada legislativa (por falta de
decoro parlamentar).
05. Foro especial por prerrogativa
de função. Os parlamentares têm o
vergonhoso foro especial por prerrogativa
de função, sendo submetidos a julgamento
perante o STF (CF,
art. 53, §
1.º), nas infrações comuns (penso que este tipo de privilégio
deveria ser extinto porque incompatível com o Estado republicano). Inclusive em
crimes eleitorais, os membros do Parlamento são sempre julgados pelo STF. Nos
seus “crimes” de responsabilidade, ou seja, nas suas infrações funcionais,
falta de decoro etc. o parlamentar é julgado pela respectiva Casa Legislativa (CF,
art. 55). A cassação
por falta de decoro não é ato do STF, sim, do próprio Poder Legislativo. O foro
especial por prerrogativa de função não alcança causas de natureza civil
(protesto judicial, por exemplo, sem nenhum caráter penal): STF, Pet. 2.448-6,
rel. Celso de Mello, DJU 19.10.2001, p. 53. Cuidando-se de ação com natureza
civil contra parlamentar, seu processamento se dará normalmente em primeira
instância, não sendo o caso de se invocar o foro especial por prerrogativa de
função.
Saiba mais:
O crime do parlamentar pode acontecer (a) antes,
(b) durante ou (c) depois do exercício da função parlamentar. Cada uma dessas
situações conta com uma disciplina jurídica própria. Vejamos:
A) crime cometido antes da diplomação do parlamentar: se havia processo em andamento, a partir da
expedição do diploma (CF,
art. 53, §
1.º) deve esse processo ser remetido para o STF (no caso de
parlamentar federal); em se tratando de parlamentar estadual ou distrital, deve
o processo ser remetido para o Tribunal de Justiça respectivo (não pode o
processo penal continuar na comarca de origem). Note-se que quando o agente é
diplomado (ou quando assume funções de parlamentar, depois do início da
legislatura) altera-se o órgão jurisdicional competente. Há modificação da
competência. Ainda que o caso tramitasse antes pelo Tribunal do Júri, mesmo
assim muda-se a competência (porque a prerrogativa de função prepondera sobre a
competência do Júri, salvo se o foro especial foi estabelecido exclusivamente
em Constituição estadual – como é o caso dos vereadores, contemplados em
algumas Constituições estaduais – Súmula 721 do STF). De qualquer modo,
encerrada a função sem que tenha havido julgamento, o processo retorna para a
origem.
B) crime cometido após a diplomação, bem como durante o exercício das
funções: para esses delitos vale o foro
especial por prerrogativa de função. Mas cessadas as funções, acaba o foro
especial.
C) crime cometido após o exercício das funções: não conta com foro especial (Súmula 451 do STF). O
ex-parlamentar é processado normalmente em primeira instância.
06. Imunidade probatória. O parlamentar também conta com certa imunidade probatória, isto é, não é obrigado a testemunhar sobre
informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre
as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações (CF,
art. 53, §
6.º). Tal regra tem o propósito de preservar sua liberdade de
atuação assim como a independência do Parlamento.
07. Prerrogativa testemunhal. Como testemunhas, os parlamentares podem combinar
com o juiz o dia, hora e local de sua oitiva (CPP, art. 221).
Essa prerrogativa só é deferida às testemunhas. Quando o parlamentar é acusado,
será interrogado no dia designado pelo Tribunal.
08. Cassação do parlamentar
comprovadamente envolvido na corrupção da Petrobra$: as imunidades analisadas não impedem a cassação do
parlamentar comprovadamente envolvido na corrupção da Petrobra$. Havendo provas
indiciárias (sérias), cabe ao Conselho de Ética já dar início ao processo de
cassação por falta de decoro. Esse processo não depende do STF (nem do início
do processo neste tribunal). Sem mobilização popular, no entanto, nada disso
vai acontecer (porque essa cassação é do próprio Parlamento). É uma aberração
deixar que o parlamentar envolvido na citada corrupção (de forma provada)
continue exercendo seu mandato. Respeitado o direito de defesa, todos esses
parlamentares deveriam ser cassados prontamente. Com isso nossa democracia
seria menos corrupta e o povo não correria o risco de novos delitos praticados
por eles. Tão relevante quanto votar é lutar concretamente pela destituição do
eleito corrupto ou incompetente. A cassação (por falta de decoro) cumprirá o
mesmo papel do “recall” (que ainda não existe no direito brasileiro).
Indigne-se e opine: #casssacaoja.
Veja o vídeo que gravei sobre #CassacaoJa
http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/154729331/quais-sao-as-imunidades-dos-parlamentares-podem-ser-presos#comments